O voto do ministro Luiz Fux em julgamento da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), na quarta-feira (10), abriu pontos importantes de divergência que podem ser usados pelas defesas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros réus julgados por suposta tentativa de golpe de Estado para pedir a anulação do julgamento na Justiça brasileira e em cortes e organismos internacionais.
Ao se manifestar, Fux não apenas pediu a absolvição do ex-presidente e outros cinco dos oito réus do Núcleo 1, como reconheceu a existência de nulidade absoluta do processo por entender que o Supremo, e em especial a Primeira Turma, não teria competência para conduzir o caso, pois Bolsonaro e outros investigados não têm mais foro privilegiado.
Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, os pontos que mais pesam e que foram defendidos por Fux são: a avaliação que o julgamento não seria de competência do STF e, se o fosse, deveria ser levado ao plenário, o cerceamento ao direito da defesa diante do imenso volume de materiais apreendidos e tempo limitado para analisá-lo e a falta de provas que configurassem os crimes imputados aos réus.
O deputado federal Zucco (PL-RS) afirmou que o voto de Luiz Fux é determinante, inclusive, para a anistia dos condenados pelo 8 de Janeiro. Segundo o parlamentar, Fux deixou claro que não há crimes atribuíveis ao ex-presidente Jair Bolsonaro e aos demais réus e reconheceu a “incompetência absoluta do foro” no caso.
Embargos de declaração devem postergar prisão dos réus
Do ponto de vista processual, uma divergência dá munição para a apresentação de recursos à própria Primeira Turma do STF, responsável pelo julgamento. O principal deles é o chamado embargo de declaração, que aponta falhas e contradições nos votos dos ministros. Ainda que esse instrumento dificilmente reverta a decisão do Supremo, ele pode servir para prolongar o processo, discutindo detalhes técnicos ou questionando supostas omissões no acórdão, que é o documento final do processo.
As defesas têm cinco dias para entrar com esse tipo de recurso. Na prática, ele servirá para que Bolsonaro e os demais réus não comecem a cumprir imediatamente as sentenças de prisão. Os ministros tendem a julgar rápido os recursos, mas não é possível dizer ainda quando exatamente os condenados terão que começar a cumprir suas penas.
Voto de Fux pode embasar futuros pedidos de anulação
Para Márcio Nunes, especialista em Direito Penal, ao reconhecer uma nulidade absoluta do processo por incompetência do STF, já que Bolsonaro não tem mais foro privilegiado, o voto de Fux abre espaço para a defesa interpor recursos no futuro.
“O voto divergente não muda o resultado agora, mas cria uma brecha jurídica que pode, sim, ser usada pela defesa em um recurso ao próprio STF logo após o julgamento ou mesmo no futuro, com possibilidade de anulação. Isso não seria novo no Brasil e as defesas certamente contam com isso”.
O especialista avalia que o ponto mais incisivo levantado por Fux foi a falta de provas que confirmassem os crimes imputados ao grupo. “Ele reconhece que houve cerceamento da defesa com milhões de páginas e arquivos para serem analisados em pouco tempo, além de não se mostrarem provados elementos capazes de sustentar a acusação. Isso em um recurso futuro pode ser amplamente debatido porque se trata de um voto que fica para a história do STF”, descreve.
Aliados dos réus e analistas avaliam que, em um possível cenário de mudança na composição do STF – como um eventual impeachment de Alexandre de Moraes – ou ainda com alteração no contexto político do país, os argumentos apresentados por Fux poderão ser utilizados para tentar reverter uma eventual condenação do ex-presidente e dos demais acusados. “O voto dá inúmeros subsídios às defesas para os recursos que virão”, avalia o advogado constitucionalista André Marsiglia.
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