29 julho, terça-feira, 2025
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A Bíblia É ou Contém a Palavra de Deus?

Quando eu tinha vinte e poucos anos, participei de um seminário teológico que me marcou profundamente. Ali, ouvi palestrantes sérios, firmes, reafirmando com força que a Bíblia não contém a Palavra de Deus — ela é a Palavra de Deus. Combatiam, com razão, o erro de separar uma coisa da outra. Saí dali convencido… mas também inquieto. Enquanto voltava para casa, uma pergunta queimava minha mente: Se a Bíblia é a Palavra de Deus, por que ela traz palavras do diabo? Por que ali há mentiras, adultérios, homicídios, traições, histórias de estupro, corrupção? Eu não tive coragem de perguntar isso lá, mas a dúvida ficou latejando por muito tempo. Por medo de “heresia”, engoli em silêncio. Mas a pergunta não morreu. Com o tempo, lendo, orando, ouvindo mestres mais maduros, entendi: chamar a Bíblia de Palavra de Deus não é dizer que cada frase nela foi pronunciada literalmente por Deus — mas que tudo que está ali foi inspirado por Ele, guardado por Ele, e serve ao propósito dEle. A Bíblia não é um livro criado para massagear o nosso ego, nossa vaidade religiosa. Ela é brutalmente honesta, mais real que qualquer biografia humana. Nela vemos Satanás sussurrando no Éden, acusando em Jó, tentando Cristo no deserto. Vemos reis mentindo, profetas fugindo, apóstolos negando, discípulos dormindo quando deviam vigiar.

Nem tudo o que a Bíblia descreve, ela prescreve. Ela não esconde o pecado — expõe. Ela não esconde a maldade — denuncia. Ela não cria heróis intocáveis — mostra homens de carne e osso, caídos, fracos, mas alcançados por graça. Abraão mentiu. Isaac não fez diferente. Moisés matou e tentou esconder. Davi adulterou e conspirou. Jeremias acusou Deus de tê-lo enganado. Jacó enganou. Levi e Simeão espalharam morte. Arão, o sumo sacerdote, moldou um bezerro de ouro. Gideão fez uma estola que levou o povo à idolatria. Pedro jurou que nem conhecia o Senhor. Judas traiu. Marcos desistiu da jornada com Paulo e Barnabé. A Escritura não passa pano. Ela arranca a máscara de todos — para que ninguém se glorie, exceto no Deus que perdoa. A intenção é mostrar que Deus faz coisas grandes com homens pequenos. Que Ele escolheu cumprir Sua perfeita vontade através de pessoas falhas — e glória a Deus por isso.

Sim, a Bíblia tem falas do diabo — mas para que conheçamos suas ciladas. Tem registros de adultério e homicídio — para mostrar a podridão do coração humano sem Deus. Tem histórias de mentira — para revelar que a verdade só floresce onde o Verbo é recebido. Por isso, afirmar que a Bíblia é a Palavra de Deus é dizer: cada linha, cada episódio, cada sombra e cada luz só estão ali porque o Espírito soprou que fosse assim — para ensinar, advertir, redimir. O centro não é Abraão, nem Davi, nem Pedro — é Cristo, o Verbo vivo, que transforma traição em reconciliação, fraqueza em testemunho, queda em redenção. De Gênesis a Apocalipse, Deus fala. Fala nas promessas, fala nos juízos, fala na cruz. Fala até nos pecados narrados — porque revela o que somos sem Ele, para nos chamar a ser nEle. Tudo o que foi escrito, diz Paulo, “foi escrito para o nosso ensino” (Rm 15.4). E por isso, podemos crer: “Toda a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, corrigir, instruir em justiça” (2Tm 3.16). No fim, a Bíblia não é um livro para polir nossos ídolos — é a Palavra que os destrói. Não é um manual de moralismo — é uma revelação viva de quem Deus é, de quem nós somos, e de quem podemos ser Nele. É Palavra de Deus — até quando desmascara as palavras do diabo.

Concluo com um sonoro: Não! A Bíblia não simplesmente contém a Palavra de Deus — ela é a Palavra de Deus. Se o cristianismo fosse uma invenção humana, ele não teria resistido nem ao primeiro ano após a morte de Jesus. Os homens que foram chamados discípulos não eram respeitados pela elite: galileus, pescadores, cobradores de impostos — gente comum, sem renome, sem influência. E quem foi acolhido por Jesus? Meretrizes, publicanos, leprosos, pecadores descartados pela cúpula religiosa. Quem testemunhou a ressurreição? Não foram os sacerdotes ou governadores, mas algumas mulheres — cuja voz, naqueles dias, sequer tinha peso legal. Um discípulo negou o Mestre, outro o traiu, quase todos fugiram. Ele morreu da forma mais humilhante possível, como um criminoso pendurado numa cruz. Quem, em sã consciência, inventaria uma religião que expõe assim as fraquezas de seus próprios líderes? A Bíblia faz isso — porque não é uma tentativa humana de convencer o intelecto, mas de transformar a natureza. É Palavra de Deus porque exibe a verdade nua do ser humano e a graça escandalosa de Deus. E aqui está a maravilha: Deus se serviu de cerca de quarenta homens — quase todos judeus, com exceção provável de um gentio, Lucas — para registrar, em contextos, estilos e épocas diferentes, uma única história que revela Sua vontade de redenção. Trinta e um autores registraram o Antigo Testamento ao longo de aproximadamente mil anos, desde Moisés, por volta de 1400 a.C., até Malaquias, por volta de 400 a.C. Outros nove autores compuseram o Novo Testamento em um intervalo de cerca de cinquenta anos, de Tiago (c. 45 d.C.) até João na ilha de Patmos (c. 95 d.C.). A Bíblia percorre três continentes — Ásia, África e Europa — e foi escrita em três línguas originais: hebraico, aramaico e grego. Ainda assim, quando examinada de forma honesta e contextual, não se encontra erro nem contradição que invalide sua mensagem central.

Vale destacar que a Bíblia não é um livro que alguém escreveria se quisesse — e ninguém, por mais brilhante que fosse, conseguiria escrever se tentasse. Nela, Deus fala por meio de homens frágeis sem silenciar suas vozes: Amós, um simples boieiro que cuidava de sicômoros; Isaías, um cortesão refinado; Jeremias e Ezequiel, sacerdotes; Pedro, pescador; Lucas, médico; Mateus, cobrador de impostos; Paulo, fariseu. Personalidades distintas — um mesmo Espírito. Deus é o Autor supremo das Escrituras, que permanecem porque não são apenas palavras de homens. Se fossem, teriam perecido no primeiro século. Mas são Palavra viva de Deus — por isso seguem transformando: converteram Agostinho em Milão, incendiaram Lutero em Wittenberg, despertaram Wesley na Inglaterra — e continuam gerando vida em milhões todos os dias. A Bíblia é mais do que um livro antigo — é a Palavra do Deus vivo, soprada para revelar, confrontar, redimir. É por isso que ela é, e sempre será, a Palavra de Deus.

Cito uma tradição antiga: a Bíblia, no que diz respeito à salvação, é tão clara que até uma criança pode entendê-la, mas tão profunda que nem o maior de todos os sábios pode esgotá-la. O Evangelho é simples, mas nunca superficial — por isso o Senhor nos convida a mergulhar nas inesgotáveis riquezas de Sua Palavra. Recordo-me de uma história que li certa vez: um jovem pastor foi convidado a liderar uma igreja grande e tradicional, composta por irmãos mais velhos, experientes, de longa caminhada. Logo, encontrou resistência: muitos tinham dificuldade de enxergar autoridade em alguém tão jovem. Preocupado, buscou conselho com um pastor já idoso, de cabelos brancos e décadas de ministério. O ancião lhe disse: “Meu filho, volte para o púlpito e pregue a Palavra. Ela é mais velha do que todos nós — tem mais autoridade do que qualquer um de nós. Se o problema é sua idade, lembre-os de que ninguém naquela igreja é mais antigo do que a Escritura. E todos devem respeitá-la”. Aquele jovem entendeu: a força do ministério não vem de nossa experiência ou erudição, mas da fidelidade à Palavra de Deus. É ela que santifica, que confronta, que transforma. É ela que revela quem somos — pecadores — e quem Deus é — santo, justo e gracioso. E é ela que aponta para Cristo, o Redentor. Portanto: pregue a Palavra. Confie na Palavra. Viva a Palavra. Pois ela é viva, eterna — e mais antiga que todos nós.

EVANGELISTA: JONAS J. MENDES

Jonas J. Mendes é ministro do Evangelho, membro do Conselho de Educação e Cultura das
Assembleias de Deus de Cuiabá e Região. Graduado em Teologia, com pós-graduado em Teologia do
Novo Testamento. Licenciado em Filosofia e Pedagogia com Mestrado em Filosofia pela UFMT, autor
do livro: “A morte de Deus e o crepúsculo da cultura ocidental”, coautor do livro “Hermenêutica: uma
introdução à intepretação bíblica”, e autor do livro “Livre-arbítrio e Soberania divina”. Professor de
Teologia na Faculdade FEICS e de Filosofia na Faculdade FASIPE.

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