13 novembro, quinta-feira, 2025
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A Cólera e a Política: Reflexões à Luz da Filosofia Platônica

Ninguém abre mão do poder depois que alcança

A política, em sua essência, deveria ser a arte do bem comum — o espaço em que os homens, guiados pela razão, buscam a justiça e a harmonia social. No entanto, o cenário político contemporâneo tem se tornado cada vez mais dominado por paixões desmedidas, discursos inflamados e a cólera disfarçada de virtude. Em tempos em que a indignação se converte em espetáculo e a ira em ferramenta de poder, torna-se urgente revisitar a filosofia clássica para compreender o que está em jogo quando a política se deixa dominar pela emoção e perde a razão.

Platão, em sua obra “A República”, descreve a alma humana dividida em três partes: a racional, a irascível (ou colérica) e a concupiscente. A parte racional busca a verdade; a concupiscente, os prazeres; e a colérica, a honra e a força. Quando essas dimensões estão em equilíbrio, a alma é justa. Mas, quando a cólera se sobrepõe à razão, o homem — e, por consequência, a política — tornam-se tirânicos.

A cólera, em seu sentido platônico, não é apenas a raiva passageira, mas a energia moral que impulsiona o homem a defender aquilo que acredita ser justo. Ela pode ser nobre quando subordinada à razão, mas torna-se destrutiva quando age sem sabedoria. No campo político, a cólera irracional manifesta-se nas polarizações extremas, nas ofensas travestidas de discurso moral e na incapacidade de diálogo entre os que pensam diferente.

Platão advertia que a degradação da pólis começa quando os governantes cedem às paixões e buscam o poder pelo prazer de dominar, e não pela virtude de servir. A cólera política, portanto, é o sintoma de uma sociedade em que a parte racional da alma coletiva foi silenciada, e o impulso emotivo passou a ditar as decisões. O resultado é uma política marcada pela violência verbal, pela manipulação das massas e pela ausência do bem comum como meta.

Na “República”, o filósofo ensina que o verdadeiro governante deve ser o “rei-filósofo” — aquele que, guiado pela razão e pelo amor à sabedoria, governa não por ambição, mas por dever. É o oposto do homem colérico, que busca o poder para satisfazer o próprio ego ou vingar-se de seus adversários. A cólera, quando não é domada pela razão, torna-se instrumento de destruição da justiça.

Hoje, mais do que nunca, vivemos um tempo em que a cólera é usada como combustível político. Ela é provocada, estimulada e explorada por líderes e mídias que compreendem o poder da indignação coletiva. Mas, como diria Platão, “a medida de um homem está em como ele reage à cólera”. E poderíamos acrescentar: a medida de uma nação está em como seus líderes a conduzem.

Precisamos de uma política em que a razão volte a orientar o debate público, e a cólera, quando necessária, seja expressão de coragem moral — e não de ódio. A filosofia platônica nos lembra que a justiça nasce da harmonia entre as partes da alma. Da mesma forma, a boa política nasce da harmonia entre a paixão pelo bem, moderação das emoções e sabedoria racional.

A cólera pode ser um fogo que purifica, mas também um incêndio que destrói. O desafio ético e político do nosso tempo é aprender a transformá-la em luz — não em labareda.

Jobilei Gonzaga é Pastor, jornalista, professor de filosofia e educador cristão.

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